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Um novo código gera burocracia, taxas e risco de multas

A Prefeitura paulistana criou e lançou um Código de Defesa do Consumidor com "inovações" que se chocam com a MP da Liberdade Econômica

Em logística, é chamado de Last Mile o trajeto que um produto faz do centro de distribuição até o destino final do cliente. Esse percurso possui um alto nível de complexidade.

Segundo dados da empresa americana Honeywell, que desenvolve sistemas de engenharia, o Last Mile é responsável por 53% dos custos de entrega.

E o que acontece quando há um erro no Last Mile? Atraso na entrega. De acordo com a 39º edição do Webshoppers, em 2018, mais de 12% das entregas do e-commerce da região Sudeste foram realizadas fora do prazo.

Acontece que a desde o mês passado, cada entrega atrasada poderá ter um custo extra de R$ 350 para a empresa fornecedora, ou seja, as lojas online.

A medida está descrita no novo Código de Defesa do Consumidor (CDC) do munícipio de São Paulo, que entrou em vigor no dia 5 de junho.

De acordo com o advogado Ricardo Marfori, especializado em direito empresarial e direito civil e sócio do Costa Marfori Advogados, o novo código não traz muitas novidades em relação ao já conhecido Código de Defesa do Consumidor federal.

O CDC paulistano replica muitas normas que já vinham sendo abordadas em outras leis espaçadas ou em decisões de tribunais superiores, como o Tribunal de Justiça de São Paulo.

"Não havia necessidade de um novo código, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor, que vai completar três décadas, tem regras já aprimoradas e incorporadas ao longo do tempo", afirma Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

O CDC de São Paulo concede mais poder ao Procon paulistano, entidade municipal fundada em 2016 que atua de maneira similar à popular Fundação Procon, mas menos atuante do que a parente gerida pelo governo estadual.

Voltando à questão do custo sobre entregas atrasadas: o CDC municipal afirma que em casos de reclamações em relações de consumo, o Procon paulistano deverá analisar a veracidade da informação do consumidor.

Caso ele tenha razão, a empresa que prestou serviço ou vendeu produto será convocada a responder sobre a reclamação. Cada queixa fundamentada atendida terá um custo de R$ 350 para a empresa. E se a queixa não for atendida, o custo será de R$ 750.

Vale explicar que a queixa fundamentada atendida é aquela que o consumidor reclama, como de uma entrega atrasada, e a empresa resolve.

A não atendida é aquela que acontece quando o consumidor, por exemplo, alega que um produto possui defeito de fábrica, mas a empresa afirma que não há vício no item.

Analisando dados Procon Paulistano, entre maio de 2017 a junho de 2018, o órgão de defesa do consumidor recebeu 316 reclamações. Dessas, 87 foram atendidas (28%) e 229 foram não atendidas (72%).

Ao observar dados do Procon Estadual, foram 25.551 reclamações em 2018, sendo 16.921 atendidas (77%) e 8.630 não atendidas (33%).

O órgão estadual também fez um ranking das empresas mais reclamadas. A primeira é a empresa de telefonia Tim.

Nas duas posições seguintes, estão negócios de e-commerce, que tiveram destaque negativo pela não entrega de produtos: LKD Comércio Eletrônico e Grupo Pão de Açúcar, dono das lojas online Casas Bahia, Extra e Ponto Frio, que tinha sido o mais reclamado em 2016 e 2017.

“O segmento do e-commerce deverá ser o mais impactado pelo CDC municipal”, afirma Marfori.

O especialista também afirma que a diretriz do CDC prejudica as empresas, uma vez que não traz a paridade entre o consumidor e fornecedor (comerciante), que está em desvantagem.

Ele explica que as taxas que deverão ser pagas ao Procon não é a sanção propriamente dita, mas sim custos processuais que atingem somente o fornecedor. Além disso, as queixas podem ser analisadas de forma subjetiva pelo próprio Procon.

Por fim, Marfori comenta que o CDC poderá colocar as empresas com sede ou filiais na cidade em situação de desigualdade em relação às localizadas em outros municípios do estado.

“O ônus para o e-commerce local será grande, pois as empresas precisarão investir em logística para manter baixo a taxa de entregas atrasadas”, diz Marfori.

OUTROS SETORES IMPACTADOS

O CDC do município estabelece uma série de práticas que são consideradas abusivas, como:

  • Transferir ao consumidor o ônus do custo da cobrança nos boletos bancários;
  • O estabelecimento de limites quantitativos na venda dos produtos ofertados;
  • Na oferta de produtos e serviços, deve constar o preço individual no anúncio;
  • O corte de serviço essencial na véspera de final de semana e feriados;
  • A demora superior a 5 dias úteis para a retirada do nome dos consumidores inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito – SPC e Serasa, após quitação de débitos;
  • A cobrança de consumação mínima ou obrigatória nos bares, restaurantes e casas noturnas;
  • A oferta publicitária que não informa sobre o prazo para entrega de mercadorias;
  • Oferecer balas ou outros produtos para complementar o troco;
  • Eximir de responsabilidade o fornecedor nos casos de furto ou qualquer dano constatado nos veículos estacionados em áreas preservadas para este fim, em seu estabelecimento.

A CDC também prevê punições para as empresas. No entanto, essa parte deverá passar por regulamentação futura, uma vez que o CDC não fornece detalhes sobre os valores de multas, por exemplo.

Entre as penalidades, estão: multa; apreensão do produto; cassação do registro do produto junto ao órgão competente; suspensão temporária da atividade e interdição, total ou parcial, do estabelecimento.

Em casos de multas, os valores serão destinados a um fundo municipal de defesa do consumidor. Caso a empresa não pague a multa em até 30 dias, poderá ter seu CNPJ inscrito na lista de devedores do município, o que impediria, por exemplo, a participação em uma licitação de órgãos municipais.

O economista Solimeo, da ACSP,chama a atenção para os quesitos restritivos da atividade econômica embutidos no código e outros pontos que já estão pacificados na jurisprudência, como o limite quantitativo de ofertas e o prazo de retirada de negativados no SPC.

"Há também incongruências como a questão do prazo de entrega associado à oferta publicitária", diz Solimeo. "Os prazos costumam variar conforme o CEP do comprador."

POSSÍVEIS CONFLITOS

O Supremo Tribunal Federal já ratificou em outras oportunidades que a competência de legislar sobre direitos do consumidor é da União e dos Estados.

Só caberia ao município legislar quando a matéria for de interesse local, como já acontece em São Paulo, em que dependendo do tipo de mercadorias e zona da cidade, há uma lei que determina que as entregas só podem ser feitas no horário noturno.

Marfiori diz que é bem provável que o CDC municipal será questionado na Justiça, principalmente devido às taxas do Procon. Até lá, é melhor que o comerciante mantenha um olho no balcão e outro nas leis.

"No momento em que a MP da Liberdade Econômica desburocratiza os negócios, esse código municipal vem na contramão, gerando insegurança para quem quer investir ou está tocando seu negócio", diz Solimeo, da ACSP.

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