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Veja o que pesa contra e a favor do consumo neste semestre

‘PEC Kamikaze’, aumento da massa real de rendimento e maior demanda por crédito devem dar gás para o comércio. Inflação, juros e inadimplência em alta já jogam contra as vendas

Qual é o comerciante que não fica entusiasmado quando sabe que o cliente vai ter mais dinheiro no bolso para gastar?

A chamada ‘PEC Kamikaze’, que coloca R$ 41,2 bilhões nas mãos de parte da população brasileira até o final do ano é, portanto, bem-vinda, a despeito do desarranjo fiscal que ela pode causar.

A grande dúvida do momento, de acordo com lojistas e economistas, é se o cenário econômico e político, desfavorável ao consumo, pode anular o efeito das tais benesses bilionárias.

Tradicionalmente, o segundo semestre do ano é sempre mais favorável para o comércio, até porque dezembro, em razão do Natal, é o melhor período de vendas para o setor.

Neste ano de juros e inflação em alta, eleições fortemente polarizadas em outubro, Copa do Mundo em novembro, o que os varejistas podem esperar?

Pergunta muito difícil de responder, dizem os comerciantes consultados, até porque os recursos da ‘PEC Kamikaze’ só começam a chegar às mãos dos consumidores em agosto.

A pedido do Diário do Comércio, comerciantes e economistas destacaram os prós e os contras do consumo neste segundo semestre de 2022.

PRÓS

Depois de dois anos seguidos de queda, a massa real de rendimento dos trabalhadores brasileiros deve subir 3,7% em 2022, de acordo com projeções da MacroSector Consultores.

Em 2020, a massa real de rendimento caiu 6,6% e, em 2021, 0,2%. O pessoal ocupado deve subir 8%, após cair 6,9% em 2020 e subir 3,6% em 2021, de acordo com a consultoria.

“Para o comerciante que estava com a corda no pescoço, quase sem ar para respirar, vai ser um alívio a injeção de R$ 41,2 bilhões na economia”, diz Fabio Silveira, sócio da MacroSector.

As condições de mercado, de acordo com ele, já estavam mais favoráveis até mesmo antes da aprovação da ‘Pec Kamikaze’, em razão do aumento do pessoal ocupado.

A massa real de salário, de R$ 260,9 bilhões por mês, prevista pela MacroSector para 2022, já apontava para um crescimento. No ano passado, o valor foi de R$ 251,6 bilhões por mês.

“O cenário está mais favorável. O país não está dando marcha à ré, está andando para a frente, devagar, depois do tombo de 2021”, diz ele.

A demanda por crédito, que cresceu 8,5% no primeiro semestre deste ano sobre igual período de 2021, de acordo com a Boa Vista Serviços, é outro indicador a favor do consumo.

Até porque o varejo não depende somente de salários para ter bom desempenho.

O acesso ao crédito é também muito importante, especialmente para os setores que comercializam produtos mais caros, como carros, eletroeletrônicos e móveis.

Apesar de ter registrado uma queda de 1,9% em junho em relação a maio, a demanda por crédito, de acordo com a Boa Vista, ainda é muito forte e deverá encerrar o ano em alta.

CONTRAS

Após cair 3,5% no ano passado, o rendimento real médio do trabalhador brasileiro deve cair 4,2% neste ano, para R$ 2.685 por mês, de acordo com a MacroSector.

No ano passado, este número era R$ 2.803 e, em 2020, de R$ 2.904. Há mais pessoas ocupadas, o que elevou a massa real de rendimento, só que os salários diminuíram.

É o que geralmente acontece com o mercado de trabalho durante uma crise econômica, uma troca de pessoal com salários mais altos por empregados com salários mais baixos.

Outro indicador desfavorável ao consumo é o de inadimplência do consumidor.

O número de inadimplentes, com atrasos de pagamento acima de 72 dias, cresceu 12,3% no primeiro semestre deste ano sobre igual período de 2021, de acordo com a Boa Vista.

No período de 12 meses terminados em junho, o aumento no número de pessoas com dívidas em atraso, que soma pouco mais de 61 milhões, de acordo com a Boa Vista, é de 7,5%.

“A inadimplência deve continuar subindo neste semestre. A situação do país é delicada em razão da alta da inflação e dos juros”, diz Rafael Ciampone, economista da Boa Vista.

A maior parte da renda extra que será injetada na economia, de acordo com ele, deverá ir para o consumo de alimentos, que sofre forte pressão inflacionária.

Até fevereiro deste ano, último dado do BC, a taxa de inadimplência de pessoa física estava em alta - subiu de 4,17% para 4,37% ao longo do ano passado.

A taxa já maior, de 4,61% registrada em janeiro deste ano, subiu para 4,71% em fevereiro (último dado divulgado pelo BC).

A projeção da Boa Vista é que a taxa de inadimplência do consumidor chegue a 5,4% neste ano, próxima à registrada em maio de 2020, de 5,6%.

O que pode também atrasar o pagamento das dívidas e a recuperação do crédito na praça, afirma Ciampone, são os juros, já elevados, que devem continuar em ritmo de alta.

No início do ano, a Boa Vista trabalhava com projeção de juros de 10,5% para o final deste ano. Recentemente, elevou a taxa para 10,75%.

“Este ganho que parte da população terá para consumir vai ter um custo lá na frente. Não é à toa que as projeções para a inflação e para os juros estão subindo”, afirma o economista da Boa Vista.

ANSIEDADE

Em uma das regiões comerciais mais tradicionais de São Paulo, o Bom Retiro, varejistas devem se reunir na semana que vem para tentar projetar o que vem por aí para o setor.

Lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio afirmam que o clima é de ansiedade. Há grande expectativa em relação à reação do consumidor a partir de agosto.

Por enquanto, mesmo em época de liquidação de inverno, com descontos chegando a 70%, as vendas estão fracas em regiões comerciais tradicionais de São Paulo.

“É muito difícil fazer qualquer projeção. Vivemos uma situação estranha. Este mês, por exemplo, as vendas estão mais fracas do que de costume”, afirma Nelson Tranquez, vice-presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro.

Com 36 lojas, das quais 24 próprias e 12 franquias, a rede MOB, especializada em roupas femininas, ainda não conseguiu atingir a receita de antes da pandemia.

No primeiro semestre deste ano, o faturamento real da rede foi 20% menor do que o registrado em igual período de 2019.

“Ano de eleições, polaridade na política, desemprego elevado, preços subindo, insegurança com o cenário econômico, tudo isso pega no bolso”, diz Ângelo Campos, sócio da MOB.

As benesses bilionárias do governo devem ajudar o comércio, mas a retomada das vendas deve ocorrer a partir do ano que vem, para Aldo Macri, presidente do Sindilojas-SP.

Os efeitos da falta de insumos na produção ainda são sentidos, diz ele, agravados com a guerra na Ucrânia. “Acredito numa melhora deste cenário somente a partir de 2023.”

Para Silveira, apesar da taxa de inadimplência estar subindo, não está explodindo, o que pode ser um bom sinal para o comércio, pelo menos neste momento.

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