A queda dramática de Carlos Ghosn enfatiza o problema que muitos conselhos enfrentam com um líder dominante. Quando esses líderes começam a se tornar contraproducentes, é difícil que os conselhos consigam expulsá-los, independentemente do sistema de governança.
Ghosn era chairman da Nissan e da Renault há quase duas décadas. Depois de transformar as companhias, ele usou a aliança para conseguir economias de escala em atividades compartilhadas.
Mas, como os benefícios da transformação caíram no esquecimento, seu estilo autocrático começou a incomodar os gestores japoneses e se tornou uma ameaça com os rumores de uma fusão favorável à Renault. A essa altura, ele era tão dominante que a boa governança na Nissan era basicamente impossível.
Líderes dominantes emergem com sua capacidade de criar valor ou por herdarem riquezas ou habilidades políticas. Companhias tocadas por fundadores são especialmente vulneráveis aos líderes dominantes. Outros líderes se tornam dominantes por meio da política e da criação de valor em organizações complexas, como Ghosn na Nissan-Renault ou Jaime Dimon no JP Morgan.
É virtualmente impossível controlá-los durante a fase de criação de valor. Uma vez que eles conquistam o controle sobre os processos-chave nos conselhos, são capazes de continuar à frente das empresas mesmo que os resultados sejam negativos -- como deixa claro o exemplo de Mark Zuckerberg no Facebook.
Líderes dominantes podem ser divididos em duas grandes categorias: os autocratas, como Ghosn, que dominam com um intelecto superior; e os gurus, que são patriarcas que dominam por meio das emoções com um efeito halo dos seus primeiros sucessos.
Ambos tendem a demonstrar tendências narcisistas, baixa autoconsciência, são propensos ao autoengano com excesso de otimismo e confiança, embora essa característica seja menos evidente no caso dos gurus.
Ambos veem e ouvem apenas o que querem, com visões genuínas, mas que só servem a eles mesmos. São bons em racionalizar o que fazem e não têm consciência dos seus erros.
Sinais de aviso estão presentes antes mesmo que o conselho ceda aos encantos de um líder dominante. Autocratas frequentemente desenvolvem pensamentos rápidos em tópicos familiares e as decisões são tomadas rapidamente.
Em assuntos menos familiares e questões mais complexas, estabelece-se uma discussão de apenas uma via com pouco espaço para oposição. Conselhos com um líder guru são influenciados pelo carisma, experiência e insight.
As decisões tendem a ser direcionadas pela perspectiva do guru e sua capacidade de moldar as opiniões alheias. Quando há discordância, ao invés de forçar sua visão, o guru tende a usar a persuasão para formar uma maioria por coalizão.
Portanto, como conselhos de administração podem se livrar de líderes dominantes quando eles se tornam, enfim, disfuncionais? Existem várias possibilidades.
Idealmente, embora raro, o próprio líder dominante reconhece que precisa abdicar do cargo voluntariamente seguindo um acordo anterior com seus colegas diretores.
Jack Ma, do Alibaba, anunciou que abdicaria em 2019. Mas, em certa ocasião, Carlos Ghosn também anunciou que deixaria o cargo, no seu caso dentro de 5 anos. 19 anos se passaram e ele ainda permaneceu lá.
O líder dominante pode reconhecer intelectualmente que precisa deixar o posto. No entanto, ele pode ser traído pela sua própria relutância em abrir mão do poder.
Já vi um chairman/CEO indicar um CEO novo e altamente qualificado apenas para faltar com a própria palavra e regredir em sua decisão durante um workshop de estratégia durante o qual o novo CEO apresentava sua visão.
As chances de um líder abdicar voluntariamente se tornam muito maiores quando há pressão por parte dos diretores não-executivos. Eles podem se encontrar separadamente antes de confrontar o líder dominante que precisa se afastar.
Essa tarefa torna-se mais fácil se os diretores concentrarem um volume significativo de ações de propriedade, tanto em empresas familiares quanto em sociedades.
As firmas de private equity KKR e Blackstone recentemente anunciaram planos para que seus chairmen e fundadores renunciassem. Mas líderes dominantes que não aceitam que é hora de sair exploram diferenças na diretoria e na divisão societária.
Foi o que fez o patriarca Ricardo Delgado no maior banco de Portugal, o Banco Espirito Santo, onde o conselho familiar cometeu o erro de ficar ao seu lado logo antes do banco falir.
Quando o líder dominante sequer considera ceder, medidas mais extremas devem ser adotadas. Eufemisticamente, os diretores podem fazer os arranjos para sua remoção.
O golpe na Nissan foi especialmente dramático. Quando Hiroto Saikawa, CEO da Nissan, estava dando uma palestra no centro financeiro de Tóqui para celebrar os 100 anos dos laços de negócios entre Japão e França, ele sabia que, no momento em que Carlos Ghosn descesse do jato privado da empresa no aeroporto de Tóquio aquela manhã, seria preso sob acusação de má conduta financeira motivada por uma delação.
Saikawa, indicado CEO por Ghosn e visto como seu aliado, bem como de outros no conselho da Nissan, aparentemente entendeu que um golpe deixando pouco espaço de reação para Ghosn seria a opção mais segura.
Se os diretores estão muito sujeitos aos líder dominante mesmo para um golpe, os acionistas precisam se revoltar.
O conselho do Uber não pôde sustentar o CEO e fundador Travis Kalanick depois que os escritórios da companhia se envolveram em escândalos de assédio moral, exploração indevida da rede de motoristas credenciados e violação da lei em vários países.
Finalmente, cinco dos maiores investidores da Uber decidiram tomar medidas com as próprias mãos. Em junho de 2017, ele seguiram Travis Kalanick quando ele estava em uma viagem para Chicago e entregaram uma carta escrita à mão exigindo que ele renunciasse.
Após horas de discussão, ele aceitou o inevitável.
Quando um líder disfuncional não é removido da equipe, a companhia se depara com uma crise que pode ser exemplificada por vários casos, como Marcel Ospel e a UBS durante a crise financeira ou Ferdinand Piech na Volkswagen durante a crise de emissões de poluentes do diesel.
O líder é demitido e o conselho é amplamente reconstituído. Em casos extremos, a empresa pode não sobreviver, como aconteceu com o Banco Espirito Santo.
Mesmo se o líder dominante renunciar a tempo, ele geralmente deixa uma equipe de gestores com personalidades fracas, os únicos que poderiam sobreviver trabalhando com ele. Podem ser necessárias várias tentativas até que seja encontrado um sucessor eficaz.
É por isso que é tão importante para os conselhos apresentarem regras de governança ao líder bem antes de ele se tornar dominante, no mais tardar quando suas discussões e estilos de decisão se tornem problemáticos.
Quando Ghosn ofereceu um limite de cinco anos, o conselho poderia ter amarrado o executivo a apenas uma renovação para um prazo máximo de 10 anos? Acredito que não -- ele estava em plena criação de valor. Uma proposta bem sucedida talvez pudesse ser negociada já como parte do acordo que o levou à empresa.