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4 lições de empresas que se reinventaram

Companhias centenárias, como a Granado (acima), ou que em algum momento de sua história tiveram que driblar os reveses do mercado, como a Porto Seguro, mostram como a capacidade de readaptação ajuda a continuar no jogo

Em física, o conceito de “plasticidade”, geralmente dos materiais, é a propriedade de um corpo de mudar, às vezes de forma irreversível, ao ser submetido a algum tipo de tensão.

Já em negócios, plasticidade significa mudar, se moldar e assumir um formato diferente ante uma situação nova e desafiadora, que proporcionará a capacidade de prevalecer frente às condições a que será exposto. E continuar no jogo.

Foi dessa forma que empresas tradicionais, como a Casa Bauducco e a Granado, a marca fetiche de bolsas e mochilas Kipling e a Porto Seguro, uma das mais populares seguradoras do país, reinventaram seus modelos para continuarem vivas e ativas nos negócios, conforme mostraram em painel no recente Latam Retail Show.

Em um mercado onde a volatilidade dá o tom, já que, "o que era de um jeito de manhã pode ter se tornado outro à tarde", segundo o mediador Fernando Lucena, diretor de expansão regional do Grupo GS&, é preciso ter muito mais do que resiliência para manter os negócios andando.

Em resumo, é reconhecer o momento correto de se readaptar e assumir um novo formato, incorporando essas mudanças para continuar no jogo e encantar seus clientes. “Ou então, não há o que fazer com todo esse Big Data para promover soluções e apurar resultados”, afirmou.

A seguir, veja como cada uma se reinventou na tentativa de manter esse encantamento:

A TÁTICA DA “FATIA QUENTINHA”

O nome da confeitaria fundada em 1952 no bairro paulistano do Brás pelo imigrante italiano Carlo Bauducco, que virou fábrica em Guarulhos nos anos 70, acabou se tornando sinônimo de bolos, biscoitos e principalmente panetones para o consumidor brasileiro.

Mas, após tornar-se a joint venture Pandurata Alimentos nos anos 2000, e identificar a possibilidade de a marca envelhecer –e as vendas decrescerem -, a Bauducco preferiu inovar: em vez de se reposicionar em termos de marca e embalagem, decidiu expandir o público, muito além da maioria de mulheres que compravam panetone para a família.

CONEXÃO EMOCIONAL COM A MARCA

Foi assim que nasceu a Casa Bauducco, em 2012, loja montada nos moldes da antiga confeitaria com uma linha de produtos de cara mais artesanal, como paninotones, focaccias e a "fatia quentinha" de panetone, para degustar na hora com canela e açúcar ou coberta com chocolate.

E, mais importante: todos diferentes dos vendidos nos supermercados, para evitar conflito de canais.

“Foi com essa solução fora do convencional que continuamos a vender panetone o ano inteiro sem perder a sazonalidade do supermercado”, disse Renata Rouchou, diretora da Casa Bauducco e integrante do Conselho do Varejo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Desenvolvidas no conceito bakery shop, um misto de padaria e cafeteria, as lojas se multiplicaram e passaram a oferecer o que os clientes queriam: a experiência de estar no local, que tem uma storytellingprópria, segundo Renata, e de alto teor emocional, que é a trajetória da família Bauducco.

“As lojas se tornaram uma mídia viva e presente na vida das pessoas”, afirma. Hoje, a Bauducco está no franchising, prevê fechar 2018 com 55 lojas, tem cinco fábricas, exporta para mais de 80 países e acabou de abrir uma unidade fabril nos Estados Unidos.

CENTENÁRIA HYPE

Quem diria: a botica fundada há quase 150 anos no Rio de Janeiro pelo português José Antônio Coxito Granado, popular pelo polvilho antisséptico e os sabonetes de glicerina, criou novos produtos, como maquiagens e esmaltes, se revitalizou, migrou para o varejo de shoppings, incorporou outra marca tradicional (a Phebo), abriu um e-commerce e foi parar até em Paris.

Foi com a reinvenção do modelo de negócio pelo empresário inglês Christopher Freeman, a partir de 1994, que a Granado se tornou uma marca cada vez mais viva e presente no dia a dia dos consumidores. Inclusive nas redes sociais e fazendo parceria com estilistas, como Amir Slama, da Rosa Chá, e a marca de moda feminina Isolda, que acaba de lançar a fragrância Caju.

Mas, a essência do trabalho, que levou 10 anos e contou com ferramentas padrão mockshop –que cria lojas interativas em 3D e diminui seu tempo de abertura de uma semana para 12 horas -teve um foco principal para evoluir: a rica história da marca aliada ao marketing sensorial para criar empatia com o consumidor, segundo Sissi Freeman, diretora de marketing e herdeira.

Isso incluiu estratégias para ativar a memória afetiva do consumidor, como lápis cheirosos e lojas perfumadas até do lado de fora e personalização de fragrâncias - como as batizadas com nomes de bebês. E ações para embrulhar sabonetes, participação em semanas de design e culinária, jogos interativos e até vendas de Páscoa – outro nicho que Granado descobriu para explorar.

KIPLING: CONSUMIDOR DIRECIONA A MUDANÇA

“O cliente quer novidades, e criar conexões através da experiência ajuda a entender a marca de outra forma”, afirma Sissi.

E eles entenderam mesmo: com 67 lojas Granado e duas Phebo, mais a loja francesa e o e-commerce, a companhia faturou R$ 450 milhões em 2017.

O MACACO TÁ CERTO. E O CLIENTE, MAIS AINDA

A grife belga batizada com o sobrenome do autor do clássico "O Livro da Selva" (o escritor britânico Rudiyard Kipling) ficou famosa pelas bolsas e acessórios de náilon, às vezes ilustradas por um macaquinho, mas sempre acompanhadas por sua versão-chaveiro, em pelúcia. Seu slogan dizia tudo: “Make Happy” (Faça feliz).

Mas, se antes a Kipling era uma marca de produtos com qualidade, objeto de desejo de crianças, adolescentes e jovens mulheres, ela descobriu que era preciso resgatar sua identidade, que já não era mais a mesma frente aos novos millenials, engajados e “com propósito.”

A necessidade de mudança de reposicionamento se deu da forma mais simples possível: por meio de uma jovem cliente, segundo Cláudia Abreu, diretora de marca do Grupo Aste, que representa a Kipling no Brasil. Fã da grife, ela reclamou - e provou -que a marca não era mais a mesma.

“Percebemos que não conseguíamos mais nos conectar com nosso público-alvo”, disse. “Afinal, apesar de mais de 30 anos (de atividades no Brasil), nem sempre fazemos coisas certas.”

Após um ano de estudo, a marca redefiniu o que queria –e deveria ser, segundo Cláudia. A mudança trouxe um novo slogan, “Live light” (Viva leve), baseado em quatro conceitos: inclusão (seja você mesmo), casualidade (um estilo de vida descolado), multifuncional (a arte de não ser sempre o mesmo) e curiosidade urbana (a cidade como playground para descobertas).

Resultado: 37 unidades próprias, um e-commerce como primeira loja (em faturamento) e 1,1 milhão de seguidores no Facebook. “Resgatamos nosso DNA sem investir milhões em marketing, apenas fazendo o básico: ouvindo o cliente”, disse Cláudia.

Ah, e sabe aquela cliente, a que deu a dica para a Kipling? “Começou como jovem aprendiz e agora é nossa funcionária na unidade do shopping Anália Franco”, orgulha-se. Isso é que é propósito.

“FAZ LOGO, ERRA LOGO, CONSERTA LOGO”

A frase acima era a principal máxima do imigrante ucraniano Abrahão Garfinkel, que comprou, em 1972, a então modesta seguradora Porto Seguro.

Hoje, 46 anos depois, a companhia é uma das maiores seguradoras do Brasil, que faturou R$ 18 bilhões em 2017, porque esse tem sido o seu principal mote ao longo dos anos, diz o neto Bruno Garfinkel, hoje conselheiro da Porto.

Mas, nem sempre foi assim: ao entrar nos anos de 1980 já enfrentando crise e hiperinflação, a empresa teve de se desdobrar para se manter ativa e conseguir pagar os colaboradores. “Foi quando decidimos abraçar o seguro auto, uma modalidade até então em segundo plano no mercado”, conta.

GARFINKEL, DA PORTO: O NEGÓCIO É INOVAR

E para convencer o público a comprar seguro de carro em tempos sobrios, foi preciso inovar. Foi quando surgiram os serviços e produtos atrelados, como o pioneiro guincho 24 horas e a instalação de brake-lights (luz de freio reforçada que reduziu em 30% as colisões traseiras, relembra).

E não ficou por aí: os clientes passaram a ser beneficiados com descontos de 20% da parceria com a rede de estacionamentos Estapar, que reduziu em 50% o preço dos seguros –já que o maior índice de sinistros era motivado por roubo.

Até lanchinho passou a ser fornecido pela companhia para os clientes após esperar o guincho. E por sugestão de um guincheiro.

“Os problemas são a matéria-prima para chegar a soluções criativas”, afirma Bruno, enumerando rapidamente o “jeito Porto Seguro de trabalhar”: barriga no balcão, ouvir sempre a rede de corretores e colaboradores, ter os gestores perto dos problemas e acesso fácil (a sede fica na região Central da capital paulista).

Mas, a era das disrupções tecnológicas chegou e, de novo, a Porto teve de se adaptar para não ficar para trás: criou uma rede de relacionamento de corretores, o Renova – um “desmanche legal”, segundo Garfinkel, que vende peças de carro avariados 70% mais baratos, um seguro-saúde para pets, o Carro Fácil (serviço anual de assinatura de carros) e até uma startup, a Oxigênio.

Em meio a tantos acertos, algumas bolas fora, como não fazer parceria com Uri Levine, um dos fundadores do Waze, por achar que não era o momento. “Faz parte: basta lembrar da frase do meu avô. Por isso aqui não tem acomodação: nossa meta é atender às expectativas do cliente.”

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