Com a entrada em vigor das novas regras para o uso cheque especial, a partir deste domingo, 1/07, a expectativa dos bancos é evitar o superendividamento de clientes do serviço e reduzir a inadimplência.
Para especialistas, as medidas são bem-vindas, mas não atacam o problema estrutural do alto custo do crédito no país.
“A questão central não está sendo atacada, uma vez que os juros do cheque especial, quando comparados com os juros da própria economia [taxa Selic] são extremamente elevados”, afirma o economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec e da Fundação Dom Cabral.
A taxa média de juros do cheque especial cobrada no mês passado ficou acima dos 311% ao ano, segundo o Banco Central (BC).
Em termos práticos, explica a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), o cheque especial funciona como uma reserva que o cliente pode usar no caso de uma emergência e de um gasto inesperado, sem precisar recorrer ao banco, já que a linha está pré-aprovada.
“Justamente por causa dessas caraterísticas os juros são mais elevados em comparação a linhas de mais longo prazo”, informa a entidade.
“Me explica como é que você cobra mais de 20% de juros ao mês, se a taxa Selic está em 6,5% ao ano? Os bancos cobram mais em um mês do que a taxa de referência em um ano. Nada justifica, e nenhum país do mundo faz isso”, questiona Newton Marques, professor licenciado de economia da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal.
Para Marques, os bancos se anteciparam ao adotarem mudanças nas regras do cheque especial como forma de evitar uma ação regulatória mais forte do BC que pudesse incidir sobre o spread, que é a diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física ou jurídica.
Uma das principais medidas que entram em vigor é a oferta automática de parcelamento com custo reduzido para consumidores que usaram mais de 15% do limite disponível no cheque especial durante 30 dias consecutivos.
A oferta será feita nos canais de relacionamento e o cliente decide se adere à proposta. Caso não aceite, novo contato deverá ser feito a cada 30 dias. Para não confundir os clientes, os bancos vão separar, no extrato bancário, o saldo da conta-corrente e o limite do cheque especial disponível.
Para Gilberto Braga, professor do Ibmec, essas iniciativas devem ajudar os clientes bancários em dificuldades, mas também terão impacto positivo na lucratividade do sistema financeiro.
“Quando o banco propõe um mecanismo de controle como esse, ele mitiga os riscos de recebimento, mas também fideliza o cliente em uma operação de longo prazo. Ajuda o cliente, mas também ajuda o banco”, diz.
Segundo Braga, numa economia caracterizada pela extrema desigualdade social e de distribuição de renda, o crédito é um elemento fundamental para o desenvolvimento, sobretudo para a população mais pobre e a classe média. Para diminuir os juros do cheque especial, ele sugere taxas personalizadas para cada cliente, o que beneficiaria os bons pagadores.
“O custo do crédito é caro mesmo para quem paga em dia. Essas taxas de juros do cheque especial poderiam ser livremente negociadas entre o cliente e o banco, a partir de padrões de risco específicos, por meio da análise do perfil individual, assim como fazem as seguradoras de automóvel ao calcularem o valor da apólice, levando em consideração os hábitos de direção do cliente”, explica.
Para Newton Marques, a alta concentração do sistema bancário no país também dificulta uma redução efetiva nas taxas cobradas.
“Além de uma ação mais efetiva do Banco Central em cima das escorchantes taxas de juros, seria fundamental abrir o mercado para a concorrência no setor de crédito, aí eu queria ver os bancos cobrarem tão caro para emprestar”, diz.
EDUCAÇÃO FINANCEIRA
Outro ponto lembrado pelos economistas é a falta de uma política de educação financeira que comece desde cedo. Mesmo as novas regras para o cheque especial, segundo eles, não estabelecem medidas concretas nessa direção.
“A pessoa que está devendo o cheque especial, em geral, já está em descontrole financeiro e perdeu a capacidade de pagamento. Poderia haver uma exigência sobre quem pretende tomar crédito de fazer um treinamento em educação financeira, como acontece com o motorista que tem a CNH suspenda e precisa fazer um curso de reciclagem para volta a dirigir”, defende Newton Marques, professor da UnB.
Para o economista Gilberto Braga, o ponto de partida deveria ser a própria escola: “É fundamental introduzir a educação financeira no currículo geral do ensino do país. Há muitas pessoas com curso superior, bem formadas, que não sabem fazer uma regra de três ou calcular um juro simples, coisas absolutamente indispensáveis em uma sociedade mediada pelo dinheiro”.