Os anos de 2015 e 2016 foram difíceis para quase todas as empresas brasileiras. A retração abrupta da economia e a brutal queda das vendas encontraram muitas companhias no pior momento possível. Endividadas, e tendo de enfrentar uma súbita queda nas receitas, elas tiveram de fazer ajustes severos para não quebrar. Segundo dados do Banco Central (BC), entre outubro de 2015 e outubro de 2017, a dívida total das empresas caiu 15,8%, recuando de R$ 861,3 bilhões para R$ 725,5 bilhões.
A súbita fuga do endividamento foi causada pela necessidade de sobreviver. “Muitas companhias que haviam feito empréstimos para crescer foram obrigadas a diminuir a alavancagem, devido à alta dos juros e à queda da atividade econômica”, diz Reinaldo Grasson, sócio da empresa de consultoria Deloitte. Algumas poucas, porém, não tiveram de enfrentar esses ajustes. São as companhias que, por filosofia, fogem das dívidas.
Um bom exemplo é a empresa de educação Kroton. Um dos orgulhos de Frederico Abreu, diretor financeiro da companhia, é que ela é a segunda empresa menos endividada da Bolsa. Perde apenas para a Smiles, cuja dívida é zero. A Kroton edificou a sua expansão em uma premissa: contrair o menor volume de dívida possível. Seguindo essa regra, ela continua agregando unidades à operação. O foco, agora, é a educação básica. Bem aprendida, a lição vem merecendo nota dez. Quando comprou a Anhanguera, em 2013, companhia se consolidou como a maior do mundo em seu setor.
“Temos conseguido, por meio do fluxo de caixa, financiar o crescimento orgânico e pagar aquisições, ampliação de unidades e laboratórios”, diz Abreu. A Kroton somava, no fim do terceiro trimestre, R$ 566 milhões em dívidas, e seu caixa era de R$ 1,6 bilhão. Essa relação entre caixa e dívida é considerada bastante saudável por Nicolas Takeo, analista da Socopa Corretora. “Temos de considerar, entretanto, que a geração de caixa elevada é uma característica do setor de educação. Por isso, quando a administração é competente, é natural que a empresa consiga financiar as operações usando apenas esse montante”, diz ele.
Se as empresas de educação são tradicionais geradoras de caixa, a situação da construção civil é exatamente o oposto disso. O setor opera fortemente endividado. Nesse cenário, o caso da EZTec, incorporadora especializada em imóveis residenciais de médio e alto padrão, é uma exceção. No fim do terceiro trimestre, a EZTec devia R$ 298 milhões e tinha R$ 1,1 bilhão em caixa. Ou seja, ela poderia pagar sua dívida três vezes. Para contrair o menor volume possível de dívidas, ela segue, disciplinadamente, uma estratégia relativamente simples. “Nosso modelo de negócios está apoiado na geração de caixa próprio”, diz Emílio Fugazza, diretor financeiro e de relações com investidores da EZTec. “Vendemos os apartamentos na planta e usamos o dinheiro para financiar a obra do próprio prédio.”
Se o arrecadado não for suficiente, a empresa recorre ao crédito bancário para financiar a construção, e nada além disso. Quando os apartamentos são entregues e a incorporadora recebe o restante do pagamento, ela paga os bancos. Essa folga faz com que analistas considerem a ação da empresa como a menos arriscada do setor. O fato de dever menos que suas concorrentes permitiu à EZTec superar com mais rapidez a retração da economia. A empresa usou parte do caixa para fazer alguns investimentos, pontuais e de longo prazo. “Nos últimos cinco anos, investimos R$ 750 milhões na compra de 50 terrenos em São Paulo”, diz Fugazza.. “Isso significa um Valor Geral de Vendas de R$ 5,6 bilhões.”
Com apetite e cifras proporcionalmente menores que a Kroton, a Jacto, fabricante de máquinas agrícolas de médio porte, líder em seu segmento, optou também por não ter dívidas. Mas ao contrário da empresa de educação, seu caixa, que em 2016 era de R$ 374 milhões, não permite investimentos ousados. Porém, fazer dívidas para promover um crescimento exponencial da operação não está nos planos. A Jacto aprendeu com erros, mas dos outros. “Observamos empresas parceiras que estavam endividadas e agora enfrentam sérias dificuldades por conta da crise”, diz Fernando Gonçalves, presidente da companhia. “Desde a criação da empresa, em 1948, optamos por não fazer grandes alavancagens.” No ano passado, a Jacto faturou R$ 1,07 bilhão. Sua dívida é de apenas R$ 107 milhões, um empréstimo de longo prazo concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Usamos parte desse recurso para melhorar a produtividade e outra parcela para reinvestir. Optamos pela compra de títulos públicos atrelados à inflação”, diz Gonçalves.
O estilo de gestão da Jacto contesta uma das primeiras lições que os administradores de empresas aprendem: para uma companhia sem caixa abundante, dever pode ser bom. Com mais capital à disposição, é possível acelerar a expansão dos negócios. Esse é um dilema que começa a ser enfrentado no Moinho Anaconda, uma companhia paranaense que faturou R$ 656 milhões em 2016, com 95% da receita proveniente da venda de farinha de trigo. Empresa familiar, o moinho profissionalizou suas operações na década passada.
A dívida é zero, mas, segundo seu presidente, Valnei Vargas, os acionistas estudam de mudar isso. “Ainda temos espaço para crescer organicamente, pois trabalhamos com capacidade ociosa de 20%”, diz Vargas. Porém, o caixa não é suficiente para expandir os negócios de maneira relevante. “No momento, ainda somos uma companhia conservadora em relação ao endividamento, mas não descartamos um aumento da alavancagem ou até mesmo uma abertura de capital no médio prazo.”