Reza a lenda que trabalho e amor são assuntos que não devem se misturar. Mas para uma nova geração de empreendedores, trabalhar junto ou ter um cônjuge como sócio pode funcionar e até mesmo ser benéfico para empresa - desde que sejam tomados os devidos cuidados.
Aproveitando o clima do Dia dos Namorados, o DCI buscou gestores que dividem o escritório com seus maridos ou esposas. Três pontos emergiram como maiores preocupações: o desafio de não levar "trabalho para casa", o receio de estremecer o convívio com outros funcionários e, principalmente, a luta para não afetar hierarquias e avaliações quando seu funcionário (ou chefe) também é seu cônjuge.
"As empresas têm medo de algo não racional, de sentimentos e de emoções interferindo. De um chefe que namore seu subordinado e que, por isso, não avalie seu trabalho da maneira correta, algo que fica mais difícil quando a empresa tem indicadores objetivos de trabalho", afirma uma das cinco sócias da VP Concursos, Mariana Cassel - seu marido, Vincenzo Papariello, ocupa outra das quatro cadeiras.
O casal, entretanto, garante não votar "em bloco" quando é preciso tomar decisões estratégicas - algo que poderia gerar rusgas com os outros proprietários. "Na verdade divergimos muito", afirma Mariana. "Ele tem suas posições e eu, as minhas. Não é porque somos casados que deixamos interferir." Segundo Papariello, o único efeito prático da união sobre os negócios é positivo: o grau elevado de envolvimento com a empresa obriga ambos a trabalharem com mais afinco - afinal, se algo dá errado, os dois estão em apuros.
O problema é quando o compromisso (com o trabalho) é tamanho que acaba invadindo a sala de jantar. "Acontece muito de estarmos em casa e começarmos a discutir sobre a empresa", afirma Papariello. "Na verdade, só é ruim mesmo quando acaba em briga."
No caso da prestadora de serviços de TI BigData Corp, a política de levar trabalho para casa é um pouco mais rígida. "Temos um esforço consciente de não falar de trabalho em casa", afirma o fundador da empresa, Thoran Rodrigues. "Mas nem sempre dá certo", contesta Nathalia Miralles, sua esposa e responsável pelo marketing do negócio.
Contratada para gerir a área quando a empresa já possuía três anos de estrada, Nathalia confessa: "Sou bem direta em minhas colocações, então tenho que ter cautela na hora de falar. Tudo bem dar uma bronca nele em casa, mas na frente de toda a equipe acaba criando uma situação ruim. Afinal, ele é meu chefe".
O cuidado, afirma o casal, vale tanto para um lado quanto para o outro. "Como somos um casal, é normal nos tratarmos por apelidos, ou de uma forma carinhosa e pessoal que nem sempre é apropriada. Sempre temos que nos policiar", explica Rodrigues.
De acordo com o casal, o ambiente "familiar" da empresa diminui a incidência de problemas desse gênero. Nathalia, contudo, não se deixa acomodar. "Como cheguei depois, preciso mostrar que não estou aqui porque sou esposa, mas porque tenho algo a agregar."
Pressão
Coordenadora de marketing do grupo de investidores focado em empresas inovadoras Hi Partners Capital & Work, Flavia Pini também conhece bem a "pressão" reportada por Nathalia. "No começo eu não queria trabalhar junto", conta a gestora. No final, a empresa tocada por seu marido Walter Sabini Junior foi a primeira a contratar seus serviços de marketing terceirizado para PMEs. Com o tempo, Flavia foi incorporada à Hi Partners, que tem outras quatro empresas sob seu guarda-chuva.
"Demorou algum tempo até entender que ele funciona de uma forma em casa e de outra no trabalho", afirma Flavia, que confessa ter ficado perplexa nas primeiras vezes que Walter não "comprou" algumas de suas ideias no escritório. "No começo eu não me via como funcionária, mas como esposa. Agora não temos mais esse problema". Quanto a levar trabalho para casa, Walter e Flavia não possuem uma política definida. "É algo que não tem como evitar, mas com respeito em primeiro lugar, porque se acaba a admiração de um pelo outro, acaba o casamento." E também o dinheiro.