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"Disputa entre Câmara e Senado pode atrasar chegada de marco regulatório para IAs e trazer obstáculos para empresas", explica advogada

Especialista em direito empresarial comenta as iniciativas legislativas existentes no Brasil e reforça importância de aprovação de marco regulatório no setor

Entre os temas discutidos no encontro da última semana entre os presidentes do Brasil e dos EUA, Lula e Joe Biden, esteve o propósito dos dois países de criarem ferramentas regulatórias que defendam trabalhadores da digitalização do trabalho, em um novo contexto de economia global em que as inteligências artificiais estão cada vez mais presentes. Segundo Silvana Melo, sócia da área empresarial do Urbano Vitalino Advogados, regular setor é urgente e desafiante. “O desafio atual parece ser construir uma regulação capaz de endereçar tanto os diferentes níveis de riscos, como também possibilitar a inovação, a pesquisa e o desenvolvimento”, explica

De acordo com Silvana, apesar de não existir ainda uma lei específica para regular a IA no Brasil, há iniciativas em andamento, com inspiração em normas globais sobre o tema, além de projetos de lei (PLs) mais robustos em tramitação, tanto com origem na Câmara dos Deputados quanto no Senado, que formam o desenho de um primeiro marco regulatório para o setor. Porém, a advogada alerta que uma eventual “concorrência” entre as casas legislativas pode ser um fator de complicação. “Se for configurada uma espécie de disputa para regular primeiro e não houver conciliação completa entre as propostas, pode atrasar a tramitação do marco regulatório, o que seria prejudicial para as empresas e a sociedade”, explica.

Quais são as iniciativas legislativas existentes no Brasil?

Além do novo marco regulatório (PL 2338/2023), atualmente estão em tramitação quatro principais projetos de lei (PL) sobre o tema: PL nº 5051/2019, PL nº 5691/2019, PL nº 872/2021 e PL n° 21/2020.

Foram iniciados no Senado o PL nº 5051/2019, que visa regulamentar a IA no Brasil, o PL nº 5691/2019, com o objetivo de instituir a Política Nacional de Inteligência Artificial e o PL nº 872/2021, que dispõe sobre os marcos éticos e as diretrizes que fundamentam o desenvolvimento e o uso da IA no Brasil. Todos possuem tramitação bicameral, em outras palavras, significa que eles devem passar pelas duas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado, sendo discutidos, votados, aprovados ou rejeitados antes de, eventualmente, se tornarem leis.

Como os projetos tiveram como casa iniciadora o Senado, a casa revisora será a Câmara dos Deputados. Até o fechamento desta edição, os projetos (PL nº 5051/2019, PL nº 5691/2019 e PL nº 872/2021) permanecem em tramitação no Senado, ou seja, ainda não foram concluídos e encaminhados para a Câmara dos Deputados. Já o PL n° 21/2020, anteriormente designado como Marco Legal da IA, que também possui tramitação bicameral, foi iniciado na Câmara dos Deputados e teve autoria de Eduardo Bismarck (PDT/CE). Em resumo, a proposta legislativa busca estabelecer princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para o uso da IA no Brasil e determinar as diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, e entes sem personalidade jurídica em relação à matéria. A iniciativa que tramitou em regime de urgência na Câmara, foi aprovada no Plenário e remetida ao Senado, em setembro de 2021, com alterações no texto. Até hoje, o PL n° 21/2020 se encontra em tramitação no Plenário do Senado.

Em 2022, foram realizadas audiências públicas para subsidiar a elaboração de substitutivo aos projetos de lei anteriormente apresentados que buscam estabelecer as regras, diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e a aplicação da IA no Brasil.

Em virtude do caráter multidisciplinar da IA, a comissão de juristas responsável convocou sessenta especialistas da academia, da comunidade técnica, da sociedade civil, do mercado e do poder público para doze painéis realizados de 28 de abril até 13 de maio de 2022.

As audiências públicas foram organizadas a partir de quatro eixos temáticos: conceitos, compreensão e classificação de IA; impactos da IA; direitos e deveres; e accountability (prestação de contas), governança e fiscalização. Ao final, foi produzido um relatório para subsidiar a elaboração de um projeto substitutivo aos anteriores.

Na sequência, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou o PL 2338, de 03 de maio de 2023, para estabelecer o novo marco regulatório da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. Elaborado com o apoio de uma comissão de especialistas coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Bôas Cuevas, o projeto tem o objetivo de substituir as iniciativas anteriores.

O texto aborda a responsabilidade dos fornecedores ou operadores de sistemas de IA por reparar danos causados, observada a gradação de riscos. Além disso, define obrigações da autoridade competente por fiscalizar o cumprimento das regras, incluindo a aplicação de penalidades em caso de descumprimento, entre elas, multa de até R$ 50 milhões para pessoas física e de até 2% do faturamento no caso de pessoa jurídica. No entanto, não há especificação de qual será o órgão responsável.

Com base na gradação de riscos, o projeto estabelece regras mais rigorosas para setores como veículos autônomos, infraestrutura estratégica e avaliação de empregados, além de colocar limites para o uso de IA na segurança pública. Também se destaca a importância de princípios como a participação humana, a não ocorrência, a transparência e a mitigação de riscos sistêmicos derivados do uso da IA.

Porém, em março deste ano, foi apresentado na Câmara dos Deputados mais um projeto de lei abrangendo o tema, o PL 759, o que segundo a Dra. Silvana reforça o risco de que ocorra uma “disputa” entre as casas legislativas. “Aparentemente, não foi considerado o fato de que a indicação de uma comissão de especialistas, para apoiar a elaboração do marco regulatório, visava justamente conciliar os pontos dos diversos projetos anteriormente apresentados. Essa situação leva a crer que, possivelmente, a conciliação não foi completa, e o marco regulatório de IA no Brasil segue aguardando despacho”, explica.

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